Caminho Sanabrés – Laza / Albergueria – 13 km

Abril voltou a ser sinónimo de peregrinação a Santiago, este ano, uma vez mais, fui bafejado pelo bom tempo. Bom tempo para caminhar à descoberta do mundo material que me rodeia e do imaterial que em mim habita, bom tempo para deixar a mente solta como o leve voo das aves, bom tempo para deixar a lente da máquina à solta para tal como o mais astuto predador sair no encalço da melhor “presa”… Os dias sem chuva são de facto uma benção…. e assim foram, abençoados, os que de seguida descrevo e ilustro.

O caminho eleito é conhecido por diversas denominações, Via da Prata, a mais utilizada, ou Caminho Mozárabe (este refere-se exclusivamente ao caminho de peregrinação). Mas o caminho que se inicia em Granja de Moreruela, povoação situada perto de Zamora e se dirige a Santiago de Compostela, via Puebla de Sanabria e Ourense, também é conhecido por Caminho Sanabrés.

É neste caminho mágico, desde Laza, que vos convido a seguirem comigo até Santiago.

Santiago

Os 200 quilômetros que separam Laza da minha casa foram encurtados pela boa vontade de um familiar que fez o grande favor de, a um sábado bem cedo, nos colocar no ponto de partida evitando assim as longas horas de transporte público e os transferes para lá chegar.

Aí chegados, a vontade de caminhar era imensa… no entanto, este ano, a vontade era inversamente proporcional à preparação física para o efeito! Os dias maus, a falta de tempo a isso contribuiram, mas como normalmente digo, o caminho é em parte mental, logo, onde a mente for o corpo acompanha (mesmo que doa um bocadinho).

Em poucas centenas de metros chegamos ao café-bar A Picota para o primeiro selo da credencial. Para um caminho que julgava quase deserto, na primeira paragem encontrar três italianos e dois franceses em busca do mesmo foi uma surpresa!

32116694_10213802289284296_562638143090589696_n

Saímos da Praça da Picota rasgando, em linha reta, toda a povoação até desembocar na estrada OU-113, uma companhia constante nesta etapa… antes de avançar no relato, um olhar sobre a povoação e pelo magnífico cruzeiro que se destaca à nossa passagem. O cinzento da manhã, as casas antigas, algumas delas com marcas profundas da passagem do tempo, transmitem-me uma sensação de tristeza…  quiçá as minhas sensações fossem outras se percorresse estas mesmas vias por alturas do carnaval – entroido – onde os peliqueiros enchem as ruas do burgo de cor e som… ver aqui o vídeo.

32089454_10213802291924362_3050877018817167360_n32084199_10213802287324247_2028490891869552640_n

Na estrada a atenção deve ir sempre redobrada, embora com pouco trânsito e com condutores sensíveis aos caminhantes, tendo em consideração a distância de segurança com que abordavam a aproximação… assim nos mantivemos, atentos e vigilantes, até perto de Soutelo Verde.

32186946_10213802294564428_4327787980082118656_n31968014_10213802289724307_3091702203384070144_n

Nas proximidades da povoação vemos os italianos seguirem pela estrada quando a seta indica um caminho paralelo, tentamos avisar, mas não ouviram o chamamento!!!

De telemóvel em punho, um senhor alto e de boa constituição física, que já seguia atrás de nós há algum tempo, comenta, em inglês, que estão no caminho correto. Depois de  lhe indicar a marcação e dele consultar novamente a app do caminho concluímos que ambos os trajectos nos levavam ao mesmo local… preferimos o mais afastado da via.

Aproveitamos o episódio para uma curta conversa. Os caminhos percorridos, de onde vimos, onde pensamos ficar neste dia – as perguntas cliché entre os nómadas caminheiros. Os cabelos grisalhos faziam adivinhar a passagem dos anos… mas havia muito querer e força na sua passada certa…  Da terra do bacalhau vinha este peregrino… um companheiro, nos dias que se seguiram.

32089172_10213802295684456_7479319219633389568_n

Em Soutelo Verde há um café, mas à passagem estava fechado tal qual a Capela de San Martin, edifício dos inícios do séc. XIX que inclui um “peto de ánimas” onde se pode ler: “Pasajero que vas caminando, socorro de las almas que están penando

“Manuel Quiñones Abad y Cura Párroco de esta feligresía de S. Pedro de Castro de Laza y su Anexo de Santa María de las Nieves de Carrajo.
CERTIFICO:Que viendo muy indecente la capilla de San Martín de Soutelo, sin retablo, el Santo con las manos partidas y sin pintar, la capilla muy pequeña, con respecto a la población de aquel lugar que se compone de sesenta vecinos, pues no tenía de largo más que veinte cuartas, el techo de élla y un pórtico reducido, que se había podrido y amenazando ruina, determiné hacer otra capilla, alargándola todo cuanto ha dado de sí el terreno; hacer un muro defensivo para que el río no ofenda dicho edificio; un petitorio de las ánimas; hacer pintar el retablo; componer las manos y pintar el Santo, trasladando una cruz que se hallaba enfrente de la puerta de dicha capilla vieja a la parte del lugar que se llama el Peso, haciéndola de nuevo el pedestal y dando nueva figura a la Cruz, cuya obra costó once mil cuarenta reales, sin que los vecinos concurrieran con otra cosa más que con los carretos y peonaje para dicha construcción, cuya cantidad de los once mil cuarenta reales cedo y dono en honor de Dios y del glorioso san Martín quien me ha dado ejemplo, para hacer este corto desprendimiento dividiendo su capa y dando la mitad de élla a un pobre que le pidió limosna.
Pero si en algún tiempo los vecinos de aquel pueblo intentan erigir esta capilla en parroquia, es mi voluntad haigan de dar a la parroquia de Castro los once mil cuarenta reales que me ha costado dicha obra, pues con esta condición lo cedo y ofrezco y no de otra manera.
Y para que conste en todo tiempo lo certifico y juro. Castro de Laza a quince de noviembre de mil ochocientos quince.
D. Manuel Quiñones”

fonte  |  wikipédia

Desembocando novamente na estrada seguimos um par de metros pela berma, desviamos sobre a mão direita por um caminho de terra, por entre campos, que nos irá levar até à aldeia de Tamicelas.

32164443_10213802293564403_4790624135619280896_n32203045_10213802288204269_4839856151732420608_n32151515_10213802293004389_1876860408673861632_n

Junto da igreja de Nossa Senhora da Assunção, séc. XVIII, iniciamos o forte ascendente do monte da Travesa até Albergaria, um desnível de 500 metros em apenas 5 km, o que o projecta para o pódio dos maiores ascendentes de toda a Via da Prata e Caminho Sanabrés!!!

Iniciamos por entre um agradável pinhal continuando por um estradão pedregoso… o esforço é atenuado pela magnífica paisagem que se abre sobre o vale do Tâmega, no entanto, assaltaram-me a mente pensamentos sobre se estaria, de facto, preparado para esta “empreitada”… mas de imediato outros se sobreponham, recordando outras batalhas ganhas entre mente vs corpo!!! Na parte final a subida fica ligeiramente menos dura mas só vai aliviar quando o caminho beijar, uma vez mais, a estrada OU-113.

32095473_10213802296244470_4304283943353450496_n32190843_10213802289884311_8034888666893516800_n32074085_10213802296524477_7187275797286092800_n

Descomprimindo do esforço ao longo da extensa reta entramos em Albergaria, 910 m de altitude, o nosso “porto seguro” para o primeiro dia…

32105466_10213802287684256_6848527251294650368_n32152745_10213802288444275_5294581815581868032_n

Poderíamos ter seguido até Vilar de Barrio, não foi por falta de tempo, mas pelo facto de ter lido e visto algumas fotos sobre o “Rincon del Pelegrino” aquando a preparação das etapas. Não quis, nem poderia perder a oportunidade de viver esta experiência neste lugar emblemático do caminho.

Albergaria já teve um lugar de destaque nesta rota, chegando a ter um hospital de peregrinos.  Atualmente resta o bar de Luis Sandes, lugar único, surpreendente, marcante,  de paredes revestidas com as vieiras assinadas por todos que por ali foram passando desde 2004, ano em que Luis deu asas ao sonho.

32104583_10213802292804384_7591745988675502080_n32161719_10213802294764433_5588268720049881088_n32159991_10213802295524452_6806350328850546688_n

O albergue, também ele é peculiar, cujas paredes estão a ser revestidas de vieiras face à falta de lugar nas paredes do bar. Dois autênticos oásis no meio de um quase deserto. Em redor, uma dúzia de casas onde parece haver gente a cuidar delas… e outras tantas abandonadas à sua sorte! O albergue (ver albergues do caminho aqui) é modesto mas limpo, tem cozinha e disponibiliza produtos alimentares para que possa ser feita uma refeição ligeira, em alternativa, tem o bar com outros produtos, enlatados, empanadas, ovos cozidos, pão, café, cerveja ou sumos são alguns deles. Mesmo não existindo supermercado, um “mata-bicho” está garantido.

32084550_10213802290164318_2343090911224791040_n31950134_10213802295284446_5953529966015545344_nNós, depois de termos relaxado na esplanada do bar, decidimos partilhar o jantar com o simpático casal canadiano, Cris e David, mais tarde, juntou-se à conversa o nosso companheiro norueguês, Lief, e entre dois dedos de conversa e alguns registos fotográficos para memória futura lá terminamos a noite…

Destacam-se ainda no povo a pequena ermida em honra de Santa Maria e o pelourinho “El Rollo – Pena de Picota”, elemento singular na Galiza, datado do séc XV, símbolo de jurisdição, justiça e castigo… 

31968059_10213802289084291_3284601811851280384_n32086370_10213802291804359_5145062678179348480_n

Que belo primeiro dia! 

Etapa seguinte: Albergaria – Xunqueira de Ambia

3 opiniões sobre “Caminho Sanabrés – Laza / Albergueria – 13 km

Deixe um comentário